Nova lei da nacionalidade, que entrou em vigor há três anos fez disparar pedidos de aquisição de nacionalidade. Só no ano passado foram 45 mil.
Público.pt, 17/2/2010
Há quase cem mil novos portugueses desde que a Lei da Nacionalidade entrou em vigor, no final de 2006. Portugal está a bater todos os seus recordes. No ano passado, registou 45.293 pedidos - concedeu 40.245, quatro vezes mais do que em 2006.
"Era o que se esperava", reage Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante. "Andava todo o mundo a dizer que era preciso mudar esse lei para as pessoas terem mais direitos aqui dentro. A miopia política não deixava. Mudou-se a lei e está aí o resultado."
Depois da decisão tomada, a transformação não aconteceu de um momento para outro. A nova Lei da Nacionalidade foi aprovada a 15 de Fevereiro de 2006 e (depois de uns acertos) republicada a 17 de Abril. Tardou a ser regulamentada - só entrou em vigor a 15 de Dezembro de 2006.
Este regime jurídico encurtou o período de residência mínimo obrigatório e simplificou alguns procedimentos, recorda Martinho Romão, da Associação Cabo-Verdiana do Norte de Portugal. Ao aceitar prova oral de Português, por exemplo, abriu a porta a africanos analfabetos em Portugal há anos.
O peso das naturalizações é cada vez maior. No ano passado, o país somou 22.876. Em 2007, 38.864 solicitaram nacionalidade portuguesa, 16.205 conseguiram-na, 5115 por naturalização. Em 2008, 47.981 requereram e 37.218 obtiveram, 18.750 por naturalização.
Aqui, no pote das naturalizações, cabem os estrangeiros que residem legalmente em Portugal há pelo menos seis anos, que conhecem a língua e não foram condenados por crime punível com pena de prisão de três ou mais anos (segunda a lei portuguesa). Mas também os nascidos em Portugal que se encontram em situação ilegal e que não saíram do país nos últimos dez anos. E os netos de portugueses residentes no estrangeiro. E as pessoas que já tiveram nacionalidade portuguesa e que a perderam sem terem adquirido outra.
As outras aquisições de nacionalidade portuguesa concernem a algum tipo de laço, como o casamento, união de facto, filiação ou a adopção. Fora disto, existe a atribuição originária: a nascidos em Portugal sem outra nacionalidade ou com pelo menos um progenitor aqui residente há pelo menos cinco anos - ou aqui nascido e aqui residente. Os brasileiros lideram a lista. Seguem-se os cabo-verdianos, os angolanos, os moldavos e os guineenses.
Gustavo Behr, da Casa do Brasil, encara esta liderança com "naturalidade". Os brasileiros constituem a maior comunidade estrangeira residente em Portugal: 106.961, de acordo com os últimos números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Behr lê neste desejo de serem (também) portugueses um sinal da sua crescente integração.
Há limites impostos ao residente estrangeiro. Martinho Romão cita alguns: "Por exemplo, não pode votar nas legislativas, nas presidenciais, nas europeias. Sendo um cidadão nacional, pode participar em qualquer eleição, pode candidatar-se aos serviços públicos, tem facilidade em circular na Europa, pode viajar até aos EUA sem muitos problemas."
E é por a nacionalidade ser apetecível que as autoridades estão atentas. No final do ano passado, o SEF deteve 14 pessoas por suspeita de fraude nos exames de Português: 12 examinados não eram os candidatos, apesar de se terem apresentado com os seus documentos.
Até 15 de Dezembro de 2006, os processos corriam no SEF. Desde então, despacham-se na Conservatória dos Registos Centrais, embora o SEF tenha de verificar os antecedentes e o período de residência legal. Para agilizar os processos, criou-se um sistema de comunicação electrónico, que eliminou a troca de papéis entre conservatórias.
Ainda falta acertar agulhas, diz Martinho: "Antes, o processo era mais discricionário. A nova lei define os requisitos, mas ainda nos deparamos com funcionários que fazem interpretações, ainda não há uniformidade de critérios." Diz-lhe a experiência alheia que a maior dor de cabeça pode ser obter o registo criminal, sobretudo se o candidato já viveu em diversos países. Tudo se agrava quando esses países viveram longas guerras. Só que aí, amiúde, outra dor de cabeça lateja: o registo de nascimento.
"Para ser cidadão, não basta ter o bilhete de identidade português", adverte Timóteo. "É preciso combater a discriminação - impulsionada pela origem, pela cor da pele. É preciso que o Governo ouça quem está no terreno, tome medidas para combater a pobreza e a exclusão social."